O banco fica no centro onde todos
passam quando vão à vila. Trata-se dum banco clássico de jardim, com tábuas
paralelas pintadas de verde, separadas por espaços vazios paralelos de mais ou
menos dois centímetros e onde normalmente as pessoas se sentam para passar
tempo. Enquanto o autarca não tiver oportunidade de recorrer a um fundo para
dar luz à ideia de renovar o centro, equipando-o com mobiliário urbano de
design moderno, o banco manterá os seus clientes. Como estes que são as
personagens que dão história ao banco e fazem esta história.
Foi lá que se conheceram. No
começo, cada um na sua ponta, deixando no meio dois lugares vazios onde ninguém
se sentaria. Um olhando os carros que passavam, as senhoras e crianças que
passeavam, os rabos dos borrachos e as pombas que depenicavam as migalhas que a
humanidade deixava cair, o outro fazendo precisamente a mesma coisa, apenas com
um olhar diferente, porque ninguém vê as coisas da mesma maneira. Claro que,
como observadores de banco de jardim teriam, cada um, entre as suas observações
objetivas, múltiplas reflexões e
distrações subjetivas.
Com o andar dos dias, o acaso de
se encontrarem ali costumeiramente aproximou-os: a cumplicidade duma troca de
olhares acerca dum incidente comum com um transeunte, sabe-me dizer que horas
são?, o incontornável estado do tempo,
empresta-me o jornal para ler as gordas?, o simultâneo e concordante salivar
sobre um naco de mulher. Com o andar do tempo, haveriam de vir a saber um do
outro, o nome, quem eram e onde moravam. O mais velho era viúvo e reformado dos
correios, vivia bem porque bem abonado e mal porque sozinho, o mais novo era
filho de pai solteiro e desempregado de nascença, vivia mal porque agora lhe
faltava a pensão do velho, recentemente falecido e bem porque não tinha filhos
nem mulher. O mais velho lia as partes do jornal que falavam das coisas que se
passavam no mundo, o mais novo lia a parte do futebol e dos crimes da semana,
portanto, embora lendo ambos o mesmo jornal, não viam nem viviam o mesmo mundo,
apesar de partilharem o mesmo banco.
Com o andar dos dias e do tempo,
eis que o mais velho começou a falar dos livros que lia, contando as histórias,
enquadrando-as nos momentos históricos e falando dos autores. O mais novo, que
nem dinheiro tinha para o tabaco, quanto mais para livros, ouvia com a condescendência
que se tem de ter com os mais velhos; mas, com o andar dos dias, do tempo e a
insistência, começava a saber de literatura mesmo sem ler, começou a
interessar-se pelos livros mesmo sem os ver e começou a ter carinho e admiração
por um homem que apenas conhecia de se sentar no mesmo banco de jardim.
- Que interesse tem um homem mais para lá do que para cá em
continuar a ler e a aprender? Porque fala com tanta vida das coisas do mundo se
não tarda outro mundo terá a sua vida? Que interesse tenho eu em ouvi-lo?
Porque não sou eu como ele?...
- Hei-de trazer-te esse livro!
O mais novo sentiu-se outro quando entrou em casa com um
livro debaixo do braço.
- Já leste o livro que te passei?
- Não tenho candeeiro na cama!...
Um candeeiro de presente desarmou-o de desculpas. Fazia muito tempo
que não recebia uma prenda. Tinha de ler, quanto mais não fosse, como forma de
reconhecimento. Ao fim duma dúzia de meses e de livros, o mais novo entregou
uma longa carta de agradecimento ao mais velho, por sinal muito bem escrita
onde, entre outras coisas, manifestava o desejo de arranjar emprego numa
livraria.
Passada mais uma dúzia de meses e
de livros, o mais novo deixou de aparecer. Soube o mais velho, pelo jornal local,
que o corpo havia sido encontrado em casa já em estado de decomposição.
- Talvez seja também esse o meu destino! – pensou.
Pensou também que tinha perdido
um amigo e que não dava por perdidos os mais de mil euros que já lhe tinha
emprestado. Nada que o impedisse de continuar ou de voltar a encontrar um jovem
a quem pudesse dar livros depois de os ler.
4 comentários:
Generosidade, que qualidade tão útil para agradar a quem precisa. O bem que fazes aos outros, retornará a ti a dobrar. Gostei de ler. Beijos
Faço minhas as palavras do anónimo 1
Moral da história: a juventude, tal como a morte, não escolhe idades.
Letrados ou não, o fim é sempre o mesmo, mas por cá não convém fazer figura de urso...
Abraço do Zé
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