terça-feira, 7 de março de 2017

Relatório do Administrador do Concelho de Ourém

(continuação) - do Relatório do Administrador do Concelho de Ourém, Artur de Oliveira Santos, a propósito das aparições de Fátima, escrito em 1924.

(Convém informar, de passagem, que a mãe da Lúcia tinha um livro - Missão Abreviada - no qual, muitas vezes, lhe lia a parte relativa à aparição de La Salette, que deve ter produzido grande impressão no espírito da pobre criança.) 

Em 13 de Novembro, nova peregrinação, mas esta muito menos concorrida. Em 9 de Dezembro do mesmo ano, a Associação do Registo Civil mandou aqui uma comissão composta dos cidadãos Augusto José Vieira, Machado Toledo e Conceição Vasques, a qual realizou na Cova de Iria um comício de protesto contra a mistificação, comício que teve fraca concorrência do povo, porque o pároco convencera a população a não comparecer. No regresso a esta vila, foram os oradores apedrejados, valendo-lhes alguns soldados da Guarda Republicana que os acompanhavam. Na véspera, no Centro Republicano de Ourém, realizara-se imponente sessão, na qual tomaram parte as pessoas referidas e que foi imensamente concorrida e os oradores ovacionados pelas afirmações de combate à mistificação da Cova de Iria.

Veio o Dezembrismo (ou sidonismo), que colocou os reaccionários à vontade, e por esse motivo levantou-se uma pequena capela no local da fantástica aparição, onde todos os meses, no dia 13, era exibida a imagem denominada de Senhora do Rosário, oferecida por um indivíduo de Torres Novas, de nome Gilberto Fernandes dos Santos, por alcunha o Bicanca, o qual, junto à entrada do templo, ia recebendo as esmolas “para a santa”, mas que, afirma-se geralmente, revertiam em benefício daquele, pois vivendo, até então, em dificuldades, conseguiu passar a viver em situação desafogada. Os padres não se conformaram com este recebedor e trataram do substituir. 

Continuaram as romarias todos os meses, umas mais, outras menos concorridas, com a exibição de imagens, irmandades, missas campais, etc., sem que houvesse da parte das autoridades a menor proibição, ou que os promotores dos actos de culto externo necessitassem requerer autorização para estes. Depois da queda do Dezembrismo, ainda se realizaram procissões religiosas na via pública, as quais, depois, lhe foram proibidas.

Em 1919, faleceu em Fátima, de pneumonia, o pequeno Francisco, e, em Maio de 1920, no hospital D. Estefância, em Lisboa, a pequena Jacinta, de pleurisia purulenta, sendo transportada da Igreja dos Anjos, na capital, para o cemitério desta vila, onde ficou sepultada no jazigo do Barão de Alvaiázere. Haviam este e outros aristocratas projectado transportar o corpo da Jacinta, processionalmente, desta vila para Fátima, o que nunca chegaram a fazer devido aos protestos do povo liberal.

Em 13 de Outubro do mesmo ano (1919), a peregrinação foi pequena, devendo ter comparecido umas 6000 pessoas. Houve diversos actos de culto externo. Antes do dia 13 de Maio seguinte, tendo o governo da presidência do saudoso republicano coronel António Maria Baptista recebido protestos vários para proibir a especulação, fui convidado por S. Ex.ª para assumir o lugar de Administrador, que aceitei com a condição de serem mobilizados todos os meios de transporte em quatro distritos, impedindo, nos dias 12 e 13, a marcha dos que se dirigissem para Fátima. Tentaram alguns promotores de Torres Novas que, apesar de tudo a peregrinação se fizesse, o que não conseguiram. Tendo conseguido autorização do comandante da força, para irem à Cova de Iria os peregrinos daquele concelho, tal não se chegou a realizar por eu me opor. Um grupo, capitaneado pelo professor do liceu de Santarém padre Formigão, tentou, à viva força, atravessar por entre as fileiras dos soldados, mas estes, apenas com desembainhar as baionetas, puseram-nos a todos em debandada. Quase ao mesmo tempo, sucedia facto idêntico noutro local, não tendo havido, porém, mais incidentes  dignos de menção. Apareceu a Lúcia vestida de branco e com um ramo de flores na cabeça, a qual foi entregue aos pais, e o chamado milagre não se verificou. Compareceram umas 1000 pessoas, que se conservaram sempre na Fátima, por ser a maior parte daquela freguesia, o que era costume, por neste dia (Quinta-Feira da Ascensão) frequentarem a igreja.

Em 13 de Junho do mesmo ano, apesar de haver festa e feira em Fátima, nada digno de menção houve na Cova de Iria, a não ser a ida ao local de algumas centenas de pessoas.


ver a continuação ( 1 - 2 - 3 - 4 )

1 comentário:

O Puma disse...

Até a chamada classe média faz milagres