"Ai, ai, a gente bem canta pra ver se isto vai,
Ai, ai mas mesmo a cantar a coisa não vai.
Há três anos que ando à procura
Duma casa que possa habitar
Nem que seja forrada de lata
Um renda barata
Que eu possa pagar
Ai, ai, a gente bem canta pra ver se isto vai,
Ai, ai mas mesmo a cantar a coisa não vai."
Cantei muitas vezes esta cantiga com as gerações mais antigas em antigas farras. Não encontro registo escrito dela e creio que veio parar à aldeia por vozes de migrantes de Lisboa ou talvez de França. O que é certo é que ela traduz um problema que voltamos a viver com trágica intensidade.
Bem podem os pregadores iletrados apontar o desrespeito dos Direitos Humanos em outras latitudes, o que é certo é que temos entre portas falta de paredes e já não podemos disfarçar que em Portugal não se cumpre um Direito Humano central: o direito à habitação.
Das casas dos meus bisavós e avós tenho memória mas todas elas cederam à ruína e desapareceram no destino natural das construções de taipa votadas ao abandono. O meu pai foi para França para ganhar para uma casa e fê-la onde encontrou assentamento. Toda a gente, pobre ou rica, conseguia ter uma casa. Na cidade, uma renda barata, uma habitação social, ou uma barraca de lata se havia de conseguir.
Agora não, casa só nos poucos sítios que eles deixam, os amigos não podem ajudar porque não têm alvará, barraca nem pensar e habitação social é uma opção ideológica anti-mercado.
O governo, que vive fervilhando em lume brando num tacho socialista refogado pelo capital, dá um ar da sua graça e despeja dinheiro para cima do problema alimentando a especulação e o lucro fácil de construtoras e senhorios.
Os governantes, que têm uma admiração provinciana por banqueiros, calam a desregulamentação de juros, comissões e dividendos e alimentam a dependência dos cidadãos pelo dinheiro virtual.
Os sem-abrigo ilustrarão as ruas enquanto forem tolerados, os filhos esperam a morte dos pais para viverem sós, os bancos não ligam a empresas nem a investimentos, o seu negócio é o crédito à habitação, os governos apoiam, apoiam tudo e todos e nem querem nem ouvir falar de casas do estado ou de ofender o mercado.
( A última casa que visitei sem vidros nas janelas. E tinha tv!)
1 comentário:
Foto oportuna
e oportuno texto
Eu senhorio, tenho T1 alugado
em zona para privilegiado
e o meu inquilino
paga uma bagatela por aquilo
352 euritos
Entretanto eu septuagenário
viúvo em adiantado estado de decomposição
ao ter de subir ao meu terceiro andar
(prédio sem elevador)
vou ter de passar a ser inquilino
e alugari um T1 por 700 eruditos
Ao que parece
cada inquilino
tem o senhorio que merece
Ou dizendo d´outro modo
ao qu´isto chegou
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