Durante a noite, durante os intervalos da discussão com o noivo, Dona Graça ia ao nosso quarto, com pomadas, gelo e paninhos quentes, para tratamento e consolo da vítima.
No dia seguinte não fui às aulas.
Ainda na cama, assisti ao fazer das malas do meu pouco próximo companheiro de quarto. Nunca chegámos a ser amigos (mijava num saco de plástico e mandava-o pela janela para o quintal só para não ir à casa de banho). Vesti-me e ajudei-o com as malas até ao táxi, apertámos a mão, franzi os olhos e encolhi os ombros; ele, marcado pela zaragata, franziu um olho e encolheu um ombro – como rapazes da mesma escola continuaríamos a ver-nos todos os dias.
À tarde, com a dona no trabalho e as meninas na escola, Virgolino foi ao meu quarto.
Fez um longo desabafo do seu fado, disse-me que ia arrumar o saco e tomar o comboio e pediu-me dinheiro emprestado. Tentei demovê-lo mas estava determinado.
Depois do abraço, viu-o partir rua abaixo a caminho da paragem do autocarro que o levaria à estação.
- Vou devolver-te o dinheiro pelo correio! Confia em mim irmão!
Chamou-me irmão, o suficiente para eu não ficar a pensar no dinheiro.
Quando Dona Graça voltou, confrontada com a partida, apenas disse:
- Foi melhor assim!
Os dias que se seguiram lá na casa foram de poucas palavras. Valeu-me o ambiente para pôr o estudo em dia.
Ao fim de quinze dias dona Graça confessou-se-me incapaz de telefonar ao Virgolino. Agora que as coisas já tinham arrefecido gostaria de falar com ele e, se mais não fosse possível, ao menos que ficassem amigos. O melhor mesmo seria escrever uma carta, disse-me ela com um sorriso “quarto maroto” e de lábios fechados.
Andei até à noite em pulgas. Entre nós os dois havia uma diferença de idades de mãe para filho, havia uma diferença de peso do dobro para metade, haviam muitas diferenças mas unia-nos, sem complexos, compromissos ou receios, o facto de não nos envergonharmos das nossas necessidades e de não negarmos o prazer.
O quarto era grande, dona Graça era enorme, de formas arredondadas, perfeitas, de cor quente e macia, orgulhava-se do seu corpo e do seu desempenho, era um mulher sexualmente dedicada. Aquilo que fazíamos os dois era amor. Não um amor construído do qual se pretende continuidade mas um amor que se fazia como o pão. Para fazer pão é preciso juntar cavacos para aquecer o forno, aquecer o forno, amassar a massa, enfornar manuseando a pá com sabedoria e, depois de feito, há que comê-lo. Em suma, fazer pão é acto de amor.
Bem vistas as coisas a peculiaridade da nossa relação residia no facto do acto só se consumar depois de escrita uma carta. Diria até que se Dona Graça não tivesse namorado inventaria um só para ter de me ditar cartas.
No dia seguinte não fui às aulas.
Ainda na cama, assisti ao fazer das malas do meu pouco próximo companheiro de quarto. Nunca chegámos a ser amigos (mijava num saco de plástico e mandava-o pela janela para o quintal só para não ir à casa de banho). Vesti-me e ajudei-o com as malas até ao táxi, apertámos a mão, franzi os olhos e encolhi os ombros; ele, marcado pela zaragata, franziu um olho e encolheu um ombro – como rapazes da mesma escola continuaríamos a ver-nos todos os dias.
À tarde, com a dona no trabalho e as meninas na escola, Virgolino foi ao meu quarto.
Fez um longo desabafo do seu fado, disse-me que ia arrumar o saco e tomar o comboio e pediu-me dinheiro emprestado. Tentei demovê-lo mas estava determinado.
Depois do abraço, viu-o partir rua abaixo a caminho da paragem do autocarro que o levaria à estação.
- Vou devolver-te o dinheiro pelo correio! Confia em mim irmão!
Chamou-me irmão, o suficiente para eu não ficar a pensar no dinheiro.
Quando Dona Graça voltou, confrontada com a partida, apenas disse:
- Foi melhor assim!
Os dias que se seguiram lá na casa foram de poucas palavras. Valeu-me o ambiente para pôr o estudo em dia.
Ao fim de quinze dias dona Graça confessou-se-me incapaz de telefonar ao Virgolino. Agora que as coisas já tinham arrefecido gostaria de falar com ele e, se mais não fosse possível, ao menos que ficassem amigos. O melhor mesmo seria escrever uma carta, disse-me ela com um sorriso “quarto maroto” e de lábios fechados.
Andei até à noite em pulgas. Entre nós os dois havia uma diferença de idades de mãe para filho, havia uma diferença de peso do dobro para metade, haviam muitas diferenças mas unia-nos, sem complexos, compromissos ou receios, o facto de não nos envergonharmos das nossas necessidades e de não negarmos o prazer.
O quarto era grande, dona Graça era enorme, de formas arredondadas, perfeitas, de cor quente e macia, orgulhava-se do seu corpo e do seu desempenho, era um mulher sexualmente dedicada. Aquilo que fazíamos os dois era amor. Não um amor construído do qual se pretende continuidade mas um amor que se fazia como o pão. Para fazer pão é preciso juntar cavacos para aquecer o forno, aquecer o forno, amassar a massa, enfornar manuseando a pá com sabedoria e, depois de feito, há que comê-lo. Em suma, fazer pão é acto de amor.
Bem vistas as coisas a peculiaridade da nossa relação residia no facto do acto só se consumar depois de escrita uma carta. Diria até que se Dona Graça não tivesse namorado inventaria um só para ter de me ditar cartas.
(Na próxima quarta há mais Quarto)
20 comentários:
(Isto dos comentários está mais fino: hoje é em Inglês! Haverá por aqui algum virus ou a opinião generalizada da boa escrita do autor está a causar estragos? Adiante)
Gostei do fragmento de história que sua Majestade nos ofertou. Está, como sempre, muito bem escrita que até, parece-me, também eu conheci a Dona Graça. Não na intimidade, claro, Mas na cor, nas formas, no jeito de rir, no olhar maroto...
É com ânsias que aguardo por mais um nico (sempre é melhor que nada, reconheço) desta aventura coimbrã.
Os meus respeitos para Sua Alteza Real e Realíssima Família.
Caríssimo amigo e companheiro,
De Quarto em Quarto vai crescendo a minha estupefacção. Confesso que perdi os Quartos do meio, mas os primeiros já eram magníficos. Próxima quarta cá estarei. Com prazer...
Abraço amigo
Sugiro-te que vás ao Maquiavelices - que tem link n'O Anarquista - onde terás uma surpresa.
Como sempre, este quarto deslumbra-me!
Desta vez gostei, especialmente, da imagem da construção do amor demorado, bem amassado, enformado e cozido em forno de lenha!
Quase se sente o cheiro do assado de Domingo!
Até Quarta!
Majestade, Majestade...
Virgolino saíu de cena chamando-lhe " I-R-M-Ã-O ", note-se !
E agora Majestade, porque nem sempre se pode ser doce ,especialmente com a Realeza, deixe-me ser a voz de Natã da história deste seu reino coroado.
Tal qual David, Vª Majestade, seduziu a sua Betsabá ( D Graça) e bem sabendo que poderia seduzir qualquer ovelha do rebanho real , quis deliberada, voluntariamente , seduzir a Ú N I CA ovelha NEGRA do rebanho de seu I R M Ã O Virgolino (Uriah o "enganado" ).
:-)
POBRE Virgolino...
Tadinho...
Olhe , por solidariedade, SÒ mesmo por solidariedade, já coloquei uns cubitos de gelo a mais no frigorífico para lhe refrescar o cotovelo , caso ele reapareça.
Um beijinho amigo
da
Maria
:-)
Eu sabia! Eu sabia que havias de ir ao forno da D. Graça! Tantas vezes a faltar às aulas só podia dar nisso...
Se o virgolino desconfia que andas a amassar pão com a D. Graça, podes dizer adeus ao dinheirinho.
Tem Graça! Licenciatura sem licenciosidade só a de aprender a fazer o pão do amor. Faltar às aulas era o fremor de lhe ir à Jaula! Que mulher competente.
Tem Graça.
A tinta azul anda por aí.
Abraço tingido.
PALAVROSSAVRVS REX
Não seria que 'os actos' só se consumavam depois de escrita uma carta?
Um pão, falo por mim, é pouco. Com as minhas Graças, eram sempre fabricadas fornadas e fornadas com a arte padeira casanoveira e donjuanesca com que o Criador me dotou, menos a deslealdade.
PALAVROSSAVRVS REX
Estou a gostar mto, sim senhor. Consegues transmitir cheiros e sons. Continua :-)
Pata Negra
Vou andando de quarto em quarto. E assim vou aprendendo o percurso.
Abraço
Estou a gostar, é melhor que uma telenovela brasileira...
Um abraço
Compadre Alentejano
Estou a gostar, é melhor que uma telenovela brasileira...
Um abraço
Compadre Alentejano
Pata Negra
Como sempre nunca perco um episódio. Mas deixa que te diga! Desta vez fiquei com água na boca, sim porque eu adoro pão quentinho a sair do forno principalmente se for caseirinho e aquela manteiga a escorrer, hummm!! Nem é bom pensar!!
Desta vez atrevo-me a mandar-te uma beijoca com ou sem Majestade.
Cunha de Ouro
Enfim um único galo na capoeira. Calculo que não tenha sido fácil...
Cumps
Majestade
E o Virgolino devolveu-lhe o dinheiro?
É que palavra de larápio...
Abraço roubado
Há muito, muito tempo (era eu uma criança...com menos de uma semana) ainda eu andava lá pelo Sapo, trocamos umas palavras - a 18 de Fevereiro, exactamente. Isto é que é memória!
Depois, o Pata Negra ficou lá nos Favoritos...e por contingências da vida, a que todos estamos sujeitos, só agora veio à tona.
O que eu perdi, entretanto! Paciência, ainda vou a tempo de recuperar. Hoje visitei dois quartos e o que se meteu pelo meio; brevemente continuarei...a andar para trás.
Parabéns pelos posts que vi e pelos que verei...
Bjs
Mariazita
Olá Mariazita.
Ainda bem que foi espreitar aos Favoritos e reencontrou o «Rei dos Leittões». Não imagina o que perdeu nestes meses de ausência!
O Rei tem-nos (a nós, os que não desertaram) deliciado com os seus inigualáveis textos e bonecos. Então os “Quartos” têm tido picos de audiência que rivalizam com as telenovelas da TVI. Quais Morangos, quais Outras quais quê! Os Quartos é que estão a dar! Se acha que estou a exagerar, não abandone de novo o Rei e leia o que ele nos oferece cada semana e os sempre elogiosos comentários dos que têm a dita de visitar este blogue.
Alberto Cardoso
Fazer o pão: que saboroso acto de amor...
Um abraço.
Essa vocação de padeiro nunca tinha sido muito evidenciada, eheheh
Cumps
A padaria da dona Graça
ou
O correio do sexo sem sêlo
Venha o próximo!
Um abraço
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