Por motivos de ordem diversa, desavenças familiares, desintegração
social, pecados mortais, golpadas no alheio e razões outras, existem pessoas
que, num dado momento das suas vidas, desaparecem da comunidade onde vivem,
nunca mais dando sinais de si, acabando por ser esquecidas ou, no máximo, por
serem o sujeito ocasional duma conversa com um “que é feito dela?”.
Ela vagueou pelas ruas da aldeia dispersa, ora em passo
normal, ora em passo de corrida, parando
aqui e acolá, fixando-se num, fugindo de
outro, parada por uns, corrida por outros, completamente desvairada ou, na fala
de alguém, como uma égua louca ou como uma vaca numa largada de Alcochete.
Completamente
nua. Sem crítica que lhe se pudesse fazer ao corpo, ou não fosse uma rapariga
na idade em que as formas perfeitas são a regra e tudo é bonito de ser ver,
apesar da circunstância não permitir a concentração em pormenores nem provocar
desejos, se não mesmo os da curiosidade ou o prazer de ser testemunha dum
insólito acontecimento.
Não são para contar os comentários esperados para a cena,
todos os advinham, que se ilustre a mesma apenas com esperadas reações:
A professora mandou os alunos que estavam no recreio para a
sala, uma beata fez o sinal da cruz e entrou na capela, alguns taparam os olhos
com os dedos mal unidos, uma mulher deu um calduço no marido, uma mãe tapou a
visão do filho com o chapéu, uns riram, outros lamentaram e, no entanto, era
apenas uma mulher como Deus a pôs ao mundo! Apenas com mais umas sapatilhas!
Também, ninguém quereria que andasse descalça no piso com pedras e poças e
bostas dos caminhos do campo!
O ato de loucura foi aparado pela residente na última casa
do lugar, solteirona solitária, conhecida por mulher solidária e carinhosa,
inclusive com alguns maridos insatisfeitos, que lhe deu a mão, que lhe tapou as
vergonhas com o que tinha à mão, levando-a para dentro e aguardando que alguém
da família viesse ao socorro.
E o pai veio. Industrial de sucesso como se apresentava no
meio, proprietário do carro que por ali mais circulava, conhecedor dos afetos
da casa, encetou cumplicidade com a protetora para abordar com cuidados a protegida
assustada e, preparada a partida, entregou razões que, dali declaradas, iriam
de boca em ouvidos e de ouvidos em boca, correndo o povoado e quebrando a má língua do juízo popular:
Fazia dois anos que fora estudar advocacia para a cidade
grande, poderia ter sido de estudar muito, poderia ser droga dura que os do 25
de abril lhe deram, poderia ter sido o diabo que a tomou, o que não havia
dúvidas é de que perdera a lucidez mas nada que um bom médico, um bom corretivo
ou a Santa da Ladeira não pudessem curar.
Na sequência do
episódio, já lá devem ir quarenta anos, a moça - ninguém esperaria que aqui se
dissesse o nome dela - deixou de se ver
e nunca mais alguém ousou perguntar ao pai “que é feito dela?”.
Aconteceu recentemente ser recordada, por ter sido
reconhecida num canal de televisão, prestando declarações numa manifestação contra
as touradas.
Boca pouco brejeira dum popular brejeiro:
- Está perdoada, pelos vistos está arrependida!
- Ou terá sido apenas a manifestação dum sonho
revolucionário de pureza, duma jovem que legitimamente quis testar “porque raio
a nudez perturba as pessoas?!”.
6 comentários:
O Rei é mestre nestes flashs.
Que viva o rei
dos leitões
Abraço
Sempre em boa forma...
Cumps
Muito bom. Obrigado, amigo.
Escreve, por favor. SEMPRE!
sem sombra de pecado...
nem mácula a tua escrita.
abraço
Porque raio a nudez perturba as pessoas? Homessa, porque mexe coa gente, sempre mexeu, por muito que digam, nada fica estático à nudez, principalmente a feminina, a masculina mexe mais cos "passarinhos".
Ninguém, é que ninguém fica insensível, se dizem o contrário, mentem. Eu que num minto, logo mexo, aqui a correr vim quando a propósito de uma busca num motor da dita me deparei: Rei dos Leitões - TODA NUA! Parecia um título do Jornal do Crime ou notícia daquelas com que agora as tvs nos bombardeiam nos principais jornais do dia. Que é que estavas à espera? Vim logo a correr. Só não percebi lá muito bem a história do touro, uhmm, não é por nada, mas com a azia que estou até eu cravava uma bandarilha no raio do bicho que me estragou a noite. Pró que me deu, ligar a televisão àquela hora?...
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