quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Quarto 13

(Se não leu o Quarto 1, o Quarto 2, o Quarto 3, o Quarto 4, o Quarto 5, o Quarto 6, o Quarto7, o Quarto 8, o Quarto 9, o Quarto 10, o Quarto 11, o Quarto 12, este quarto não faz sentido)

O melhor seria mesmo eu encontrar um colega de quarto, estudante, antes que a senhoria me arranjasse para companhia alguém fora de estilo. Não seria fácil. A fama da casa já ia além do bairro e o racismo e o preconceito, naquele tempo, ainda existiam.
Jorge foi lá a casa para eu lhe emprestar uns apontamentos. Era do norte, já exercia no ramo mas faltava-lhe uma cadeira do primeiro ano para acabar o curso. Pedira dispensa de serviço para ver, se desta, conseguia o canudo de uma vez por todas. Partilharia o quarto comigo.
Eu, a mãe e as filhas estávamos na sala a ver a telenovela. O Jorge estava, como sempre, lá em cima no quarto a marrar na Física. Adalberta entrou em casa, disse um “boa noite” exausto e subiu as escadas visivelmente embriagada. Dorinha vinha com ela mas correu logo para o meu colo. Com uma troca de encolher de ombros e acenos de cabeça julgámos a mãe mulher-da-vida enquanto trocávamos com a filhota uns diálogos com graças de criança.
Passados alguns minutos ouvimos Adalberta, irritada, a falar alto ao cimo da escada:
- Deves-me cinco fodas! Deves-me cinco fodas paneleiro! Quero o dinheiro das cinco fodas picha-mole!
O interlocutor não o era porque mantinha o silêncio. Adalberta também não lhe deixava espaço para ele reagir, continuava a debitar palavras indicionárias e a atiçar a curiosidade dos ouvintes do piso de baixo.
Com que então o Jorge guardava-me segredos! Provavelmente, quando ficava em casa a sós com a Adalberta, aproveitava para molhar o prego mas pagar, está quieto!...
Dona Graça subiu a escada e pôs ordem na discussão. Adalberta teria de abandonar o quarto no dia seguinte!
Cá em baixo, imaginei com facilidade a reacção da queixosa mas era difícil ver a cara do caloteiro. As portas de ambos os quartos estariam abertas, num deles Adalberta estaria bufando sentada na cama, no outro estaria Jorge sentado à mesa, com o candeeiro aceso e os livros à frente e com cara de quê?!
Jorge, com vergonha de carneiro mal morto, também abandonaria o quarto. A situação agradava-me, sobretudo porque a cama ficaria novamente disponível para eu espalhar roupa, papéis e cassetes.
No outro dia, cada um a seu tempo, lá partiram os do mal parado fornico. Timidamente, e sem que alguém presenciasse, levaram os seus haveres e... partiram. Um pormenor: Adalberta, esqueceu-se de levar a Dorinha.
(Na próxima quarta há mais Quarto)

15 comentários:

MARIA disse...

Toc... Toc... Majestade, posso entrar no seu quarto ?
Pronto, de qualquer forma já aqui estou, já entrei.
E olhe, estou impressionadíssima.
Não só com a delícia da história e a forma como a escreve mas porque creio que Vossa Majestade acaba de revelar ao grande público as verdadeiras razões do crédito mal parado em Portugal.
Veja bem : a Aldalberta mesmo depois de uma primeira mora na satisfação do seu direito de crédito, ainda deu ao Jorge não mais uma, nem mais duas, nem sequer só mais três possibilidades de cumprir com dignidade... deu mais ...
É assim mesmo com a Bolsa em Portugal quanto mais f..... , mais aberta ...
Bolas...
Vou ser expulsa do Reino...
Acho que exagerei ...
ok tenho um limãozinho para a garganta que castigará os lábios pelo excesso na linguagem.
:-)

Beijinhos

Maria

Compadre Alentejano disse...

Muito bem. O folhetim vai mesmo bom. Espero é que tenha um final e as f.... sejam todas liquidadas.
Um abraço
Compadre Alentejano

Oliva verde disse...

Naquele tempo havia mães (e talvez pais!) muito esquecidos!
Ainda existiam o racismo e o preconceito e havia quem não pagasse as suas dívidas!
Que raio de tempo aquele!

Anónimo disse...

Ainda bem que se livraram do Jorge se não qualquer dia estavas feito...

Irias por certo encontrá-lo no quarto da D. Graça e quem sabe com a Tânia e com a Gina ao mesmo tempo, aquilo era gajo do norte, cheio de calotes, mas f...lhão.

AnA disse...

Concordo com a Olivia.... Esse mundo onde há preconceito, caluteiros e abandono de menores, não é deste mundo :-)

AnA disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Lopes disse...

Há mesmo inquilinos indesejáveis...
Esse esquecimento, vamos ver no que é que dá.
Cumps

SILÊNCIO CULPADO disse...

Pata Negra
Bem, estou a ver que é malta da pesada. Aguardo o próximo episódio. E a Dorinha?

Abraço esquecido

Anónimo disse...

ora parece-me finalmente que esta casa é uma rebaldaria, mas só porque o Jorge não pagou as trancadas nas bébias chamar-lhe pan.... poça! não é justo mas este mundo é assim...
um dia a casa vem abaixo.

abç

Meg disse...

Aviso já que ando a ler os quartos em fascículos, por isso vou conseguindo apanhar o espírito (!) da coisa.
E como é tudo gente da pesada, espero que as dívidas sejam honradas, para sossego de todos ou de algum, especialmente. E cá fico à espera do desenrolar dos acontecimentos. Preocupadíssima e recalcitrando.
Um abraço amigo

Zé Povinho disse...

Tive que ler os dois últimos capítulos para me inteirar da passagem efémera destes dois inquilinos.
Bom fim de semana
Abraço do Zé

do Zambujal disse...

Sim, senhor. Isto está mesmo animado e cheio de hum(an)idade!
Estou de acordo com a solução encontrada para a miúda mas espero que a mãe a vá visitar com frequência. Mãe é mãe!

Um grunhido de satisfação pós-leitura

MARIA disse...

:) bons tempos Majestade, bons tempos ...
Desde esse seu quarto 13 até agora plantei um limoeiro no meu jardim e tenho limões o ano inteiro.
Deve atribuir-se à amargura do respectivo sumo algum silêncio da minha parte nas minhas visitas a este Reino dilecto que tanto aprecio.
:)

Naturalmente, estou a brincar, mas do limoeiro digo a verdade.
É sempre um gosto muito grande ler a sua escrita de excelência.

Um beijinho sempre amigo


Maria

Camolas disse...

Manda imprimir uns livros , nem que seja edição de autor.
Em Beja sou responsável pela divulgação, arranjo-te um espaço cultural á maneira , ainda vai dar para beber uns copos

Fernando Samuel disse...

Pagar ou não pagar a dívida: eis a questão...
E se o Jorge pedisse uma renegociação da dita?...
Aguardo o 14º quarto.

Um abraço.