quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Quarto 14

(Se não leu o Quarto 1, o Quarto 2, o Quarto 3, o Quarto 4, o Quarto 5, o Quarto 6, o Quarto7, o Quarto 8, o Quarto 9, o Quarto 10, o Quarto 11, o Quarto 12, o Quarto 13, este quarto não faz sentido)

Dorinha ficou em boas mãos. Conversámos em família a situação criada pela menina abandonada. No dia seguinte eu tinha muito que estudar e, por isso mesmo, o melhor seria faltar às aulas e, deste modo, Dorinha poderia ficar à minha guarda.
Dona Graça conseguiria umas fugas do restaurante para dar umas voltas na baixa a ver se encontrava a mãe, diligência que repetiria, sem sucesso, durante uns dias.
Dia após dia íamos ganhando a menina que raramente perguntava pela mãe Adalberta.
Participar à polícia seria muito complicado, a casa não gozava de grande credibilidade entre os agentes que frequentemente a visitavam por alegadas queixas dos vizinhos - coitados, eram incapazes de dormir sabendo que alguém se divertia por ali perto!...
Tivemos de partilhar um esquema pelos quatro, com faltas e atrasos pelo meio, enquanto não encontrávamos solução.
- Cabitche, já fiz!
E eu lá lhe passava uma nova folha com a encomenda de um desenho ganhando, com o tempo dos seus rabiscos, mais uns minutos para exercitar as equações da cadeira que tinha em mãos. Às vezes o "já fiz" era outra coisa e eu lá limpava a coisa com paternal paciência.
Com a adopção informal já assumida e os olhos da Dorinha cada vez mais dos nossos, o possível reaparecimento de Adalberta começou a ser indesejado por todos.
Dona Graça arranjou uma ama para a menina.
Tenho ainda, no coração, o salto que Dorinha dava para o meu colo, abraçando-me, de cada vez que eu aparecia à porta da senhora para a ir buscar.

A tal segunda cama, deixada vaga pelo colega de quarto, deixou-me espaço para novas oportunidades. Havia uma tarde e uma manhã em que o horário escolar das duas irmãs não coincidia. Tânia e eu começámos a aproveitar esse tempo, eu estudava, ela aproveitava umas explicações minhas nas disciplinas que eu dominava e, assim, se foi dando corpo a uma paixão. Mais do que todos os conteúdos académicos, o seu sorriso simples, frágil, branco, aberto, dado, largo, longo, de corpo inteiro, oxigenava-me a vida – até os joelhos dela chegavam a rir; os seus gestos, sons e movimentos, calmos, lentos, suaves, ondulados, macios, abertos, dados, longos, de corpo inteiro, libertavam-me toda a energia; o seu corpo inteiro não me permitia pestanejo..

O caso tomava a forma que já não justificava o segredo. Tânia tinha pressa de atirar à cara de Gina o nosso amor inteiro, de a deixar sozinha e de passar as suas roupas para o meu quarto. A mãe adorava-me, aceitaria de braços abertos.
Não sabia Tânia que, para mim, contar à mãe podia ser um bocado complicado: as cartas a Virgolino eram já raras, o telefone era mais cara a cara, mas Dona Graça quando se zangava!.... Ninguém me dizia que iria aceitar com bons fígados que o homem que a consolava algumas noites andasse a morrer de amores pela filha! Liberal e compreendedora, mas não tanto!
(Na próxima quarta há mais Quarto)

15 comentários:

Anónimo disse...

Cum raio dum trinta e um que estás para aí a arranjar. Tu não deves estar bom da mona, vai lá armar-te frente à D. Graça! Pago pra ver! Já a estou a ouvir: anda cá meu filho...

Charlotte disse...

Que grande embrulhada que para aí vai. Um homem entre tantas mulheres dá sempre nisto. Elas competem para ver quem ganha as atenções do macho. E o macho adora ser disputado. Bela vida, a dos machos! :-)

Compadre Alentejano disse...

Soma e segue. Primeiro era a mãe e a seguir a filha. Que mais virá?
Um abraço
Compadre Alentejano

Anónimo disse...

Quantos quartos mais vai ter o Pata Negra que arranjar, para preencher as quartas? Na minha Terra uma vizinha dizia.“Prenda sua cabrita que meu bode tá solto”
apenas uma brincadeira.
Um abraço
Anónimo

Anónimo disse...

confesso que a escrita é magnética e flui...

abç

Tiago R Cardoso disse...

estou atrasado em alguns "quartos", vou recuar, mas isto está bom.

Anónimo disse...

Estou com pressa! Mas não podia passar sem dizer, gritar, que isto está cada vez melhor. Arrebatador! Inquietante!
Alberto Cardoso

Zé Povinho disse...

Começa a chegar a altura em que as opções são escassas e tudo se complica. Entre a espada e a parede, como sair da alhada.
Abraço do Zé

SILÊNCIO CULPADO disse...

Pata Negra
Tocou-me a história da Dorinha e a sua inserção no grupo.
Aguardo com expectativa o desenrolar dos acontecimentos nomeadamente no que se refere à reacção da D.Graça.

Abraço

José Lopes disse...

Ups! A Tânia conquista a primazia e está com ganas de atirar com isso à cara da irmã, e a mãe está um pouco a leste, enquanto o monarca nem sabe bem se deva ou não avançar?
Situação bicuda...
Cumps

Tiago R Cardoso disse...

Agradeço as palavras que deixastes na primeira parte do meu conto, em jeito de publicidade venho te dizer que já publiquei a conclusão.

Obrigado,

Tiago

AnA disse...

Grande açorda que para aqui vai :-)


E que venha a próxima quarta

José Lopes disse...

É sempre bom voltar para reler.
Cumps

JFrade disse...

O que uns olhos apaixonados conseguem ver: ver os joelhos dela a rir. E depois gozam com quem vê as ovelhas açoreanas a sorrir!
Francamente...
JFrade

Fernando Samuel disse...

Agora fico ansioso pelo Quarto da próxima quarta.

Até lá, um abraço e... que tudo corra bem...