quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Quarto 20

Naquele dia eu não tinha ido às aulas. Sozinho em casa aproveitei para lazeirar. Desci à sala e deitei-me no divã polivalente tentando que a televisão da manhã fizesse alguma coisa pelo tédio. Batem à porta, é Virgolino! Um abração, umas palmadas de desaconchegar costelas e um frente a frente à mesa para pôr a conversa em dia!
- Trouxe-te uma lembrança! – tirou do saco de viagem um embrulho em papel pardo e mandou-mo despir. Era um boneco de cerâmica com um cacete erguido e que tinha escrito na base “Justiça de Fafe”.
- E ainda!… – sacou da carteira e contou divertido a massa que me devia.
- Está certo?!
- Não, está dinheiro a mais!
- Ora essa, puto! Em questões de nota “nunca está a mais”!
Contei-lhe da gravidez de Tânia e ouvi das boas por não ter sido eu o progenitor; falei-lhe da comprovada falta que ele fazia à Graça e recebi promessas de que, na próxima noite, eu não iria dormir com o ranger da cama do quarto do lado.

- A Gina está insuportável!
- Porque não lhe afinfas!?

- O Carlitos é bom rapaz! Às vezes, já dorme cá em casa!
- Tu é que dormes cá em casa! Acorda rapaz! Agora é tarde!
Fez um misto de movimentos de cabeça e expressões de rosto que, traduzidos, exprimiam elogios aos dotes físicos de Tânia e reprovação à minha relação com ela. Depois mudou o tema:
- Onde é que vais almoçar?
- Hoje nem me apetece ir à cantina. Vou ali à mercearia comprar dois papo-secos, umas fatias de queijo, um iogurte e já está!
- Vamos mas é almoçar fora! Hoje é por minha conta!
- Então vamos ao restaurante da Gracinha!
- Nem penses! A surpresa do reencontro pede outro local! Tenho um plano, depois conto-te.
Durante o almoço, bem regado, o Desejado contou-me o seu plano para o resto do dia. À tarde as meninas estariam em casa, apalpá-las-íamos no que toca à sua receptividade ao regresso do padrasto e, se realmente desejado, seria fácil convencê-las a participarem na surpresa à mãe amante. A mesa seria posta à grande e à francesa, eu telefonaria a Dona Graça dizendo-lhe que ia dar uma volta com as filhas e, quando esta, por volta das onze, regressasse do trabalho no restaurante, seria surpreendida com o D.Juan Virgolino, sentado à mesa, disposto a festejar, comendo e bebendo com a sua namorada, comendo e bebendo a sua amada! No entretanto, se fosse do meu acordo, eu e as enteadas iríamos ter com o Carlitos ao trabalho e, depois do fecho (que era por volta das duas da manhã), regressaríamos todos para completar o forró.
E assim foi. O Carlitos animou-se com a nossa visita, serviu-nos até querer e, até Gina e Tânia que eram pouco dadas às bebidas, se excederam. A esplanada da cervejaria animou tanto que, depois do encerramento, dados ao caso que ali nos trouxera, dois colegas do Carlitos e o patrão também se fizeram à festa prometida.
Quando entrámos em casa – éramos, portanto, um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete – não estava ninguém na sala – claro!! Os “reencontrados” estavam no quarto. Ninguém comentou a sua ausência porque todos a percebemos. Gina ligou logo o som dos seus vinis, abriram-se umas cervejas, petiscou-se da mesa, eu pus-me a dançar com a Tânia, o patrão com a Gina e o Carlitos e os colegas comiam amendoins, mandavam piropos, bebiam uns golos, davam meia volta de mãos ao alto e roçando no baile e, volta e meia, batiam umas palmas.
Dona Graça desceu as escadas com o caso na cara enquanto repreendia para o cimo das mesmas:
- Oh Lino! Não venhas para aqui assim! Temos visitas!
Só eu devo ter topado que o homem vinha em cuecas e que, obediente, regressou ao quarto para se cobrir com outros preparos. E que outros preparos! Virgolino desceu as escadas, com ar mais maroto e destemido, trajando um vestido de Dona Graça. Depois da risada geral Gina aumentou o volume da aparelhagem, a festa acelerou e, no fim dum merengue de acelerar corações, a coisa acalmou e só o Virgolino continuou de pé, na pista, violando numa vassoura. De pé, também eu, mas em cima da mesa, olhos nas lâmpadas do candeeiro enquanto recitava a Ceia dos Cardeais. O embevecimento da plateia com a minha actuação foi tragicamente perturbado pelo toque da campainha e a voz:
- Polícia! Abram se faz favor!
Escaparam-se os três estranhos à casa para o quintal, Carlitos abraçado a Tânia, Gina junto ao aparelho baixando o volume, Lino naquele traje, eu, para não partir a loiça toda, sem poder descer da mesa e a Dona da casa abre a porta aos chuis que entram de rompante.
Enquanto Dona Graça dava explicações e dados para a autoridade, Virgolino lá me tirou ao colo do “palco”.
- Os senhores têm de nos acompanhar à esquadra!
A esquadra ficava logo ali, nas traseiras do mesmo quarteirão, numa moradia que apenas se distinguia das outras pelo pequeno letreiro luminoso “POLÍCIA” e o percurso seria feito, normalmente, a pé.
Com palavras mansas conseguimos livrar os menores da vergonha e só eu, ou melhor, os “trois”, fizemos companhia aos dois agentes que, por escárnio, por gozo, ou por excesso de zelo, não deixaram o Virgolino trocar de roupa e ele lá foi travestido rua além, seguido pelos olhos dos cortinados da vizinhança denunciante.
Mas como o troçado não era de torcer e nascera habituado a pagar amor com amor, quando levávamos andados cinquenta metros, ouvindo as explicações da nossa mulher aos senhores agentes, eis que lhe dá para o canto do “Viva o Sto António, Viva o S. João, Viva o 10 de Junho e…” colocando-se por detrás de mim, empurrando-me com as mãos nos ombros, tenta a marcha em fila indiana a sós comigo. Se até algumas das janelas, dos cortinados com olhos, se abriram como é que eu havia de resistir?! Colaborei. Colaborei durante os instantes que tardaram os olhos fortes de Dona Graça que nos admoestaram a nós e, felizmente, também aos polícias que se preparavam para agir em nome da ordem.
(Na próxima quarta continua a haver Quarto)

18 comentários:

Anónimo disse...

Ganda Virgolino! Vieste dar nova animação aqui ao quarto! Mas também escusavas de te por nesses preparos abichanados!

antonio ganhão disse...

Isto está bonito! E termina a meio da farra! Gostaria de saber como foi o regresso do Virgolino, nesses preparos e já sem o efeito do álcool...

Zé Povinho disse...

As voltas que isto leva: regressa o Virgolino, há festa e acabam a noitada na esquadra em lindo estado.
Isto nem sempre é previsível, o que é bom sinal.
Abraço do Zé

Anónimo disse...

O Virgolino é o rei da festa.
O actor principal.
O Rei vai nu.

SILÊNCIO CULPADO disse...

Pata Negra

A história está a ficar mesmo no ponto.
Sabes, gostei da honestidade do Virgolino em pagar-te o que te devia e com juros e tudo.Isso demonstra que há ladrões mais honestos que muita gente séria da nossa praça.

Abraço

Compadre Alentejano disse...

Qual teria sido o golpe do Virgolino? Onde teria ele ido sacar essas massas. Era mesmo tirar aos ricos, para dar aos pobres...
Um abraço
Compadre Alentejano

Tiago R Cardoso disse...

farra, festa na rua, policia, "travesti" e dizias tu que isto estava empancado....

Anónimo disse...

Esta história já me faz lembrar uma parecida na Pensão Dallas...
A diferença é que esta já é uma mansão ao estilo Beverly Hills.
Então, será que o puto nasce no quarto 21, ou na maternidade?

Saudações do Marreta.

Anónimo disse...

Pata Negra, aquilo que se consegue contar e fazer dentro de um quarto é realmente espantoso... é cá uma trupe...

Anónimo disse...

Ainda alguns pais se queixam dos filhos q têm, pelo vistos o amigo pata negra curtiu bem a vidinha. Será q aproveitou os estudos? Com a vida q conta duvido.Faz bem recordar esses tempos q já não voltam mais.Um abraço em fila indiana rs
Luis

José Lopes disse...

O Virgolino devia estar uma estampa, e já agora, Sua Majestade ainda não tinha subido ao trono, pois não? É que os herdeiros de ontem deviam ser parecidos com os de hoje...
Cumps

joshua disse...

'Bora a fazer uma petição-abaixo-assinado por que o Quarto se alcandore a cinema. Tanto pitoresco, meu Deus, e tanta gente boa, bem-humorada!

Virgolino rules, that's the man, arrest him.

Camolas disse...

Sempre existem "vizinhos" que não toleram a alegria alheia. A esses não pedimos raminhos de salsa. DESPREZA-MO-LOS!!!

j. manuel cordeiro disse...

Até vi o quadro: rosas quase tão garridas quanto o baton esborratado de folia, estampadas na chita verde. :-)

do Zambujal disse...

Eh! pá... e eu que entrava a entrar na marcha, à procura de ombros onde pôr as mãos (para começar...) e tu interrompes.
Temos de esperar por 4ª? Eu que ia meter a 5ª!
Vinte episódios? Temos de fazer um caderno, um livro, uma em ciclo pédia!

Até já, pá!

José Lopes disse...

Já não me lembrava desta cena...
Cumps

maceta disse...

outra vez as macacadas sexuais na caserna...

abraço

O Puma disse...

Cheira bem cheira a leitão