sexta-feira, 1 de novembro de 2024
Este dia não é de todos os santos mas de todos nós
sexta-feira, 25 de outubro de 2024
Por ocasião da morte dum cidadão
- Se calhar, se os polícias disparassem mais a matar, o país estava mais na ordem.
Um assessor dum deles, de ambos ou de quem lhes lava os tomates, escreveu:
- Menos um criminoso... menos um eleitor do Bloco.
É por causa destas e por outras que, hoje mesmo, recusei participar numa almoçarada. Sabia que iria lá estar um "chega assumido" e disse para quem me convidou:
- Não vou porque não me sento à mesa com gente dessa!
- Pois, mas como deves perceber, eu não vou deixar de convidar ninguém por questões políticas!
domingo, 20 de outubro de 2024
Comprem! Comprem! Leiam! Leiam!
reidosleittoes@gmail.com;
encomendas às ninhadas tem desconto do iva.
isto é o que se chama matar um bácoro e dois coelhos com uma cajadada - sim, porque entenderei a vossa correspondência como uma prenda.
Papel é papel, livro é livro e, se memória futura se deseja, tenho medo que um dia os discos magnéticos, a nuvem ou toda a internet, sejam atacados por uma doença informática e, dum momento para outro, horas de devaneios de escrita se evaporem no caos da atmosfera da sociedade da informação.
Sabia também que de autores menores, as editoras não procuram os ganhos com as vendas, que serão sempre escassas em linha com a discrição da divulgação, mas usurpam o necessário lucro do bolso do próprio autor.
Sabia ainda que o que escrevo, que procuro sempre num verbo que cative quem pouco lê (quem muito lê tem mais que ler), não é nada que mereça ser de banca; que o linguarejar popular e a impudência, passados a escrita, podem desagradar a culturas mais sensíveis; que o amadorismo aprisiona a ficção ao autobiográfico e que a autobiografia só se tolera depois da fama.
Por fim, teimoso no que é meu, avesso à exposição pública, temeroso à microfonia, teimei que o livro só circularia em comércio clandestino ou na candonga.
E pronto, aqui estamos em prolongamento dessas linhas com mais umas bacoradas. Sempre me senti perseguido e, no mesmo alinhamento, depois dum “bácoro”, um “homem”, sendo que, não é para esconder: eu sou esse porco infante e esse homem sombra. Mordo-me sempre, não sei sair de mim e não sinto a mosca que pousou no nariz do camarada que está, em sentido, ao meu lado na parada.
1- Da primeira vez a senhora dos correios nada estranhou, lá para a terceira ou quarta, começou a habituar-se mas, como as entregas se começassem a repetir e alguns vales de correio a levassem a perceber que se tratava de negócio, um dia, ao deparar-se com mais um despacho, largou-se com um comentário:
- Desculpe, não percebi!?
- O livro, só pode ser um livro que anda a vender!
- Ah! Mais ou menos! - disse eu sorrindo.
- Sabe, há pacotes que denunciam o conteúdo mas mesmo assim nos aguçam a curiosidade.
Abri a pasta e perguntei-lhe:
- Quer um? Ofereço-lho!
- Muito obrigada por me matar a curiosidade.
2- O meu amigo Lúcio Mouco vende velharias na feira e conhece-me por eu lhe perguntar o preço de quase tudo e não lhe comprar quase nada. Vende torneiras avariadas, lavatórios rotos, louça rachada, puxadores ferrugentos, santos partidos, vinis riscados, vende tudo, até livros velhos. Propus-lhe então, ao meu alfarrabista, a venda pública e exclusiva dum exemplar. Ele aprontou-se. É simples, rasga-se a página que tem o ano, amarrota-se um pouco, massaja-se em farinha para lhe dar pó e, como tudo, pode dar venda. E vendeu o primeiro, o segundo, julgo que ainda por lá anda entre outros no caixote da especialidade.
3- Não esperava que quem já me conhecesse do que escrevo me fizesse apreciações elogiosas à obra de autor de livro único ou que desconhecidos me mandassem mensagens para expressar particular agrado pelo que leram. Não tive observações especiais ao seu conteúdo mas tive ao objeto, à capa e até ao tipo de papel. Também houve um que se descaiu com descarada sinceridade: "hoje em dia qualquer um já escreve um livro!".
Arreliado com estas reações? Não! Acho normais como conhecedor maior do meu papel, do meu lugar e dimensão! ...
Mas o comentário mais excêntrico foi dum amigo, que ao ver-se em mãos com o objeto fez a sua primeira crítica de satisfação:
- É grosso!...
quarta-feira, 16 de outubro de 2024
As filhas do resineiro
José Liberal foi pouco depois mas foi pró outro lado.
sexta-feira, 4 de outubro de 2024
Uma família normal
quarta-feira, 2 de outubro de 2024
À mesa do pensamento único
O jovem moderador formulou a sua opinião e perguntou ao jornalista velho se achava se era assim ou não.
O jornalista velho concordou que era assim e acrescentou o suficiente para satisfazer o jovem moderador que passou a palavra à especialista de meia idade.
A especialista de meia idade disse concordar com tudo o que tinha ouvido e acrescentou mais uma coisa que o jovem moderador aceitou e o levou a pedir o comentário do ex-ministro em exercicío.
O ex-ministro em exercício afirmou estar inteiramente de acordo com tudo o que foi dito e recordou as imagens que comprovavam isso, até que o jovem moderador disse:
- Vamos dar mais uma volta mas peço-vos que não entrem em debate nem acrescentem mais coisas porque o nosso tempo está a acabar.
O jornalista velho, a especialista de meia idade e o ex-ministro em exercício discordaram do jovem moderador e argumentaram com garras e dentes que o seu tempo não estava a acabar.
Para terminar, o jovem moderador, jornalista, especialista e futuro ministro, explicou que tinha havido um equívoco com o "tempo" e disse: este é o nosso tempo, o tempo da informação, reparem que as armas duns só acertam em soldados e não matam civis e as armas dos outros só matam civis e não acertam em soldados!
O espetador comum comeu que nem um parvo esta nova maravilha da tecnologia militar e amanhã vai assistir a um debate idêntico onde se discutirá aquela guerra onde uns são terroristas porque assim são chamados e os outros não são terroristas porque lhes chamam soldados.
sexta-feira, 27 de setembro de 2024
Elogio póstumo
Companheiro de águas passadas, perdemos a meada ao caminho da poesia. A poesia é o caminho dos condutores de palavras. Os júris falam da engenharia e da arquitetura das palavras, as palavras devem ser complicadas, de modo a serem só compreendidas por pessoas inteligentes e complicadas. Mas para nós, simples, os poemas teriam de ser como borboletas, teriam de nascer e morrer no mesmo dia e, assim, irrompiam de ti versos espontâneos a um ritmo que a escrita não podia acompanhar. Vinham aos jorros entre a espuma de cerveja nos teus lábios, muito menos pensados do que os das pessoas simples da terra que cantavam à desgarrada, enleavam-se no fumo dos charros e cigarros. Se fossem escritos perdiam o sentimento. Os versos eram donos e coisa do momento e, quando começavas a debitar o que sentias, o grupo inteiro se envolvia e até os poetofóbicos metiam no meio um verso ou uma palavra, de modo que de poesia de todos se tratava. Um verso era uma onda efémera que se formava da ventania dos nossos pensamentos e que desaparecia no areal do céu das nossas noites longas. Mais uma cerveja. Talvez mais um poema coletivo até que o homem de serviço dissesse que ali no café não se falava de política. Quando nós até dizíamos que faltava política à poesia e poesia à política. Depois, para que se adiasse o regresso às casas frias e pobres onde dormíamos, alongávamos o caminho pelo arrabalde e lá te vinha outra vez um ataque de poesia onde, na pausa certa, até o zé, que não sabia uma letra, metia uma farpa de poeta. E se acontecia a perturbação dos faróis dum carro na nossa direção, de certo conduzido por um velho, que não perceberia ponta dum chavelho das conspirações da juventude, muito menos de poesia, algum de nós haveria de ordenar:
sexta-feira, 20 de setembro de 2024
Depois do fogo apagado
O octogenário ia ouvindo e pensando:
- A culpa é do aquecimento global! - sei lá o que é isso!
sexta-feira, 30 de agosto de 2024
Explosão de varões
Os quartos da bateria de instrução tinham dez camas. Calhou-me por sorte de especialidade o último quarto onde sobravam sete camas vazias. Os outros dois recrutas não tinham formação superior e eram uns anos mais novos pelo que quem mandava no quarto oito era eu. De todos os restantes quartos vinham os rapazes de mais excessos, fumar, beber e comer de tudo e mais alguma coisa.
Um dia o
meu amigo Cavalheiro, também companheiro de excessos de Coimbra, convidou-me
para ir ver como era o quarto dele às dez da noite: um escrevia à namorada,
outro lia a Gina, outro regressava da retrete, outro tinha a cabeça enfiada
debaixo das mantas, outro engraxava as botas, outro comia bolachas, um estava
apático e dois discutiam futebol. A
nossa entrada rompeu o ambiente e impôs-se pelo canto:
“Acorde sr prior! Acorde sr prior!
Acorde
não durma tanto!
Nós já
vimos da igreja! Nós já vimos da igreja!
Vamos
para os Esprito Santo!”
Quando, à medida que entrámos na cantiga, começámos a bater com as mãos o ritmo nos armários, não esperávamos uma reação tão rápida dos camaradas. No espaço de alguns segundos, todos batiam o ritmo no que tinham à mão e cantavam com voz de soldados a inocente canção. Atrás da barulheira vieram de outros quartos, outros fazer coro e alinhar no forrobodó.
Todos já
experimentámos momentos destes na vida em que inesperadamente se verifica uma
explosão coletiva de franca alegria, aparentemente sem razão maior. São
oportunidades raras em que uns se tornam atores e outros deixam de sê-lo, em
que toda a gente exterioriza, participa, sem inibições, com satisfação plena e
plena consciência que está a viver um momento único e inesquecível.
Estas manifestações não são completamente espontâneas, há sempre um ou mais provocadores que as fazem acontecer, seja num encontro, numa festa ou mesmo numa revolução.
É um momento destes que este pequeno filme documenta. E se há filme, não há necessidade de escrever, não precisareis de muitas palavras minhas para o interpretar, para o viver e para rir.
quinta-feira, 11 de julho de 2024
Tudo está consumado
sexta-feira, 5 de julho de 2024
À morte ninguém escapa
Tanto a minha mãe como o meu pai morreram prematuramente e, obviamente, eu fiquei orfão, também prematuramente! Portanto, de morte, já tenho o meu quinhão, embora tenha de reconhecer que, verdadeiramente, conhecedor do assunto só o serei tardiamente na minha hora, que acontecerá, espero, a partir deste preciso momento, num tempo que não me permitirá falar da minha experiência pessoal.
Na última semana morreram várias pessoas em Lisboa, no Alentejo, em Trás os Montes e, em Trás dos Matos, que é uma aldeia da freguesia de Vila Cã, ouvi dizer que também lá morreu um homem. Peso de modo igual a morte dessas pessoas mas mais a pesaria se alguma delas me fosse próxima. Não podem é acusar-me de frieza por não ir no embalo mediático das mortes da semana, de aqui-d ’el-rei tens de chorar votos de pesar por nomes sonantes da arte ou da política, do desporto ou da fortuna, que me dizem tanto, enquanto mortos, como o senhor de nome provável José, natural de Trás dos Matos, que eu nunca conheci e de quem nunca ouvi falar.
Na morte
somos todos iguais, não é o que dizem? Pois saibam que não verto uma molécula
de lágrima por alguém que nunca me tenha dirigido a palavra ou a simpatia,
embora compreenda que alguns, em quem o poder da morte não é tão cérceo, sejam
reconhecidos anonimamente pela sua arte, pela sua luta, pela sua destreza
ou pela sua riqueza. Se o senhor José fazia esculturas de paus de louro,
pertenceu à junta de Vila Cã, jogava bem à malha e deixou uma quantidade
considerável de certificados de aforro, não vai ser por isso que eu o choro
mais ou menos. Por isso, famosos, podereis ir morrendo que não perturbareis o
meu santo sono diário e muito menos o eterno.
À morte ninguém escapa, nem o rei, nem o cura, nem o papa. Mas hei de escapar eu! Tenho aqui um vintém, compro uma panela, meto-me dentro dela, tapo-me muito bem! Vem a morte não me vê. Bons dias meus senhores passem todos muito bem!
sexta-feira, 28 de junho de 2024
Tomei partido por uma caixa de sapatos
quinta-feira, 20 de junho de 2024
O doutor Zé António
O doutor é um poeta da palavra - das palavras!... O doutor dá melodia às palavras e os seus versos sabem a música. O doutor sabe muito. O leitor também tem de saber alguma coisa para entender a palavra - as palavras!... perceber e sentir a melodia e consumir os versos do doutor.
Quem não sabe nada nem entende - quanto mais sentir! - as palavras "enversadas" do escritor - perdão! doutor - é o Zé António. O Zé António lê nas flores o canto da próxima colheita, conhece cada ave pela melodia do assobio, sacia-se com a sonoridade da água que sussurra numa queda do regato, fala com a ovelha mãe e desabafa sentimentos com o vizinho meio doutor.
E o vizinho, que tem livros em casa, desiste de ler e bebe um copo com o Zé António para ver se aprende a olhar para as flores, a conhecer os pássaros pelo que cantam, a avaliar a água que acrescentaram ao vinho e a conhecer cada ovelha pelo seu olhar.
E no fim do copo, tão pequeno como a conversa, o Zé António a rematar:
- Pá! Não penses mais nisso! Tás cum olhar que parece o do meu carneiro mor! Isso há de passar! A mim disse-me que eu vou morrer mas não sabe quando! O doutor sabe pouco!
sexta-feira, 14 de junho de 2024
Terra-mãe
Ontem visitei a minha mãe. Já não é a mesma que conheci quando eu crescia. O alpendre da avó foi com um vento, a eira do tio foi com uma enxurrada, da casa do bisavô não resta nada. E foi morrendo cada geração e ela ficou ali rapando o sol e mastigando o frio. Podia ser pior. Passa um trator com corta-mato e o tratorista acena a tudo o que mexe. A Sagrada Família ainda vai de casa em casa. Podia ser pior!... O doutor de letras restaurou a casa que herdou do pai. Isto vai! Digo que sim, respeitando quem o diz mas a minha mãe não tem a mesma alegria. Os filhos tiveram mais partidas que regressos. Vêm ver uns marcos e dar algum dinheiro para o andor. Deus Nosso Senhor lá sabe. A minha mãe tem a flor da pele marcada pela ausência das sombras das árvores que os incêndios levaram. A minha mãe tem os cabelos despenteados pelo fim dos arados que os tempos levaram. Já só a visito por ser mãe e folgo em saber que ela está para durar nem que seja só para enterrar os que vão morrendo. Outros destinos traíram-lhe o destino.
terça-feira, 4 de junho de 2024
O meu companheiro da quarta classe
Para fazer o exame, fomos os dois sozinhos, a pé, até Albergaria e apanhámos a camioneta para Pombal. Toda a gente dizia que eu ia dar um lindo padre (ia) e fui todo o caminho a rezar ave-marias para o Cuca passar e eu não vomitar. Não me recordo mas a professora, que era da vila, devia estar à nossa espera e deve-nos ter acompanhado à escola grande onde prestámos provas. O facto de, da nossa escola, termos passado cem por cento, obrigava a professora a cumprir a promessa de nos levar ao castelo que só conhecíamos de ver ao longe.
Para nós, poder tocar nas pedras dum castelo seria uma forma de realizarmos parte das fantasias que as imagens dos livros de História nos ofereciam.
Acontece que a professora, por estar nervosa com o período dos exames ou por outro período qualquer, disse-nos chorosa que estava com tamanha dor de barriga ou de cabeça, ou das duas coisas, que não conseguiria fazer tal passeio mas que ia pedir à mãe dela que fizesse as suas vezes.
E lá fomos os três, nós ligeiros de idade e felicidade, e a senhora a passo de bengala, ofegante mas segura no cumprimento da missão. Quem conhece sabe que o monte, subido a butes não é para qualquer idade ou condição e a pobre mulher viu-se obrigada a desistir já se avistavam as portas:
- Os meninos vão lá que eu os amparo daqui com os olhos mas não entram que eu não os quero perder de vista!
Desculpa lá, companheiro de classe, acabar a homenagem assim mas de ti irei guardar memórias de brincadeira da escola e de que eras um tipo lixado para a bola.